sobre viver na força do ódio e desculpas

às vezes a gente precisa recomeçar novos caminhos
em busca do reconhecimento próprio



Quando eu vivia com meu abusar, eu não realmente vivia, eu sobrevivia. Eram tantas palavras de ódio, de incredulidade, de me tachar de burra e incapaz e entre um desejo ou outro de que eu morresse - porque ele não me levaria ao hospital se algo me acontecesse -, ou até mesmo quando inventava coisas para me depreciar ainda mais, me chamando de puta e tantas outras coisas; a única maneira que eu encontrei para sovreviver foi colocar uma barreira de raiva e ódio entre mim e o mundo.

Assim que ele saía do meu quarto, após fazer tantas ameaças, eu pegava as últimas páginas da caderneta da faculdade e escrevia, em letras garrafais, que não seria como ele, que eu teria uma vida melhor e que não faria com ninguém o que fazia comigo. 

A esta altura, eu não confiava em ninguém para dizer o que eu vivia em casa e o que eu sentia. Tinha muito medo das pessoas julgarem minha vida familiar e se afastarem. Ou até pior, que fizessem fofoca sobre o que eu vivia. E foram tantas as vezes que cheguei na faculdade e voltei para casa, porque não havia condições nem de passar pela catraca sem chorar, que ninguém nunca teve ideia disso.

Mesmo depois de sair de casa e vir morar em terras cariocas, tudo o que ele havia dito e feito, mesmo que não estivesse fisicamente presente em minha vida, reverberava - e as vezes ainda reverbera -, em mim. A verdade é que, como eu tinha essa camada de raiva e desconfiança em frente a tudo, eu não conhecia meus sentimentos.

E nunca, mesmo eu tento falado que minha depressão e tentativa de suicídio foi por causa dessas tantas coisas, ele sorriu debochadamente e continuou andando. Mesmo eu dizendo, por mensagem, tudo o que ele me fez sentir e viver até o meu limite, ele não respondeu. Nunca se desculpou. Algo que poderia ter feito uma grande diferença na minha vida e em nossa relação.

Ao estar em um lugar mais seguro, essas várias camadas de raiva, ódio, medo, incredulidade e tantas outras, foram desabando dentro de mim, me mostrando vários sentimentos que eu não sabia nomear e não queria enfrentar. Tudo o que eu queria era deixar o passado para trás, mas, com o tempo, aprendi que só querer o futuro, não apaga o passado. O passado precisa ser trabalhado e, com sorte, ressignificado.

Posso dizer que hoje conheço meus sentimentos, reconheço o que eles causam/causaram nas pessoas e aprendi a me desculpar. esse foi um grande passo para me afastar dos sentimentos que me causavam tanta dor. A partir do momento que eu vejo que alguém se chateou ou que se machucou com atos ou palavras vindas de mim, peço desculpas. Mesmo explicando o meu motivo, se a outra pessoa não conseguir entender ou continuar machucada com o que eu fiz/falei, acredito que seja melhor me desculpar. Não tira a dignidade de ninguém, apenas conforta o entendimento da outra pessoa.

Após anos de terapia - and keep going -, posso dizer que todas aquelas barreiras de raiva, ódio e ranço, foram quebradas e eu aprendi mais sobre os meus sentimentos, sobre entender e ter empatia pelo momento do outro. Sei, principalmente, como alguém vive alguma das fases que eu já vivi e sei o quanto nos entendermos é importante. Por isso escolhi viver com guarda baixa, sem posição de ataque, sempre tentando entender o outro, ao invés de machucá-lo.

E isso, meus queridos leitores, faz uma grande diferença.

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