COMO LIDAR COM A DEPRESSÃO SEM REMÉDIOS?



Como lidar com a depressão sem remédio,
Por Fernanda Campos,
Psicóloga formada pela Universidade Federal de São João Del-Rei



A depressão pode ter uma só definição nos manuais de diagnósticos psiquiátricos, mas cada um vivencia de um jeito singular, que só pode ser compreendido e esclarecido numa relação séria no consultório. Padronizar como deve ser o tratamento, quais caminhos seguir, o que deve ser dito a cada frase escutada ou qual remédio tomar é um ato que não só não faz sentido, como, principalmente, pode desencadear crises maiores.

É comum que os pacientes tragam um discurso parecido, dizendo que a amiga tomou tal remédio e melhorou, o vizinho parou de tomar remédio e parece muito mais controlado, a tia da vizinha de um amigo disse que… Quando se trata de saúde mental todo mundo tem uma opinião – e como quase todas as opiniões dadas sem serem pedidas, são mais prejudiciais do que facilitadores de todo processo (já conturbado e difícil) da saída da depressão.

Nem todo mundo que tem o diagnóstico precisa tomar remédio. Isso não quer dizer que quem é medicado é melhor ou pior do que quem não é – tem a ver com o caminho que cada pessoa optará caminhar, a partir das suas vivências, experiências e significações dadas por toda sua vida. Os antidepressivos, de um modo geral, são apenas catalisadores para fazer com que o cérebro produza (seja absorvendo mais, seja bloqueando, a depender do princípio ativo da medicação) de determinados hormônios que nos dão a sensação de conforto, felicidade, aconchego, paz. Eles não resolvem todos os problemas porque são apenas isso: uma fórmula farmacêutica para melhorar o desempenho do seu sistema nervoso central e te dar um pouquinho de energia para ir buscar o que falta.

E, embora muita gente aí venda os antidepressivos como uma “cura certa”, a “cura” da depressão – se é que podemos chamar assim – não pode ser resumida a uma fórmula que ninguém entende muito bem como funciona (nem, pasme, quem as criou). Quando se trata de transtornos psicológicos, toda ajuda – eficaz – é bem-vinda, por isso não faz sentido proibir o uso dos remédios; do mesmo modo que não faz sentido restringir o tratamento a quantos comprimidos de felicidade  (porque são vendidos assim) deve-se tomar para sair do lugar em que está.

“Mas como decidir se eu tenho ou não que tomar remédio?”, você deve estar pensando. Essa decisão não pode passar só por você, porque o processo terapêutico envolve mais pessoas (e pessoas mais capacitadas) que devem, também, emitir um parecer. Mas isso não quer dizer que a decisão não é sua – só que ela tem de ser conversada com seu médico, seu psicólogo, todos os profissionais que te acompanham. Existem pessoas que conseguem ser funcional – e aqui chamo de funcional  quem, mesmo em crise, consegue sair para trabalhar, estudar e produzir alguma coisa, como a sociedade deseja – sem precisar de doses de remédios diárias, e existem pessoas que sem esse empurrãozinho da ciência talvez não levante da cama nem para escovar os dentes ou tomar banho.

O que não é possível é achar que só a receita médica vai melhorar tudo – o medicamento vai, sim, ajudar em algumas coisas, mas o grande problema da depressão é que pessoas com esse diagnóstico passaram uma vida inteira sem se escutar, sem reconhecer limites, sem saber como dizer “não”, mesmo quando isso as feria, e pouco a pouco foram escorregando abismo abaixo sem perceber. Remédio nenhum nos ensina até onde podemos ir com nosso corpo e nossa mente sem nos ferir – isso é trabalho de uma escuta atenta e muita coragem de quem ousa falar. Porque falar não é fácil. Colocar o dedo na ferida e sangrar para alguém que presta atenção na gente é tão doloroso que  é muito comum as desistências dos pacientes no meio do caminho, que retornam e se agarram apenas a cura médica, porque não ver é mais seguro do que enxergar onde está o problema – depois que a gente enxerga, não podemos mais fingir, e, por isso, precisamos achar um jeito de resolver.

Por isso, tomar consciência do que é um diagnóstico de um transtorno psicológico e como é o processo da depressão é importante, assim como compreender que um remédio não começa a fazer efeito no instante em que você o ingere, e que seu efeito não cessa no momento em que você para de tomar. De um modo geral, um antidepressivo começa a agir no seu organismo após catorze dias, o mesmo tempo que ele precisa para sair totalmente do seu corpo. A decisão de tomar ou não remédio passa por você, como já foi dito, mas o tratamento precisa ser indicado e acompanhado por quem estudou – e, portanto, tem de ser levado ao seu médico.

Seguir as indicações prescritas, tanto na dosagem, quanto no consumo de álcool, é importante não só para não colocar sua vida em risco, mas para que tudo contribua para facilitar um processo que, por si só, é difícil. Se você está incomodado com o rumo do tratamento, se deseja interromper a medicação (ou começar) não é para seu amigo, seu tio, seu vizinho que precisa falar: é para aqueles que tenham uma escuta distinta e especializada, que acompanham seu caso como ninguém a sua volta acompanha. Tem coisas que você só conta para seu psicólogo e psiquiatra, não é? Portanto, deixe que as coisas referentes ao tratamento do seu transtorno psicológico sejam debatidas e decididas entre vocês.

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